Vergonha de viver num sítio onde coisas como estas acontecem
Já em casa, durante a baixa médica que se seguiu, outras complicações de saúde foram surgindo: artroses em várias partes do corpo, problemas de visão, síndrome vertiginoso, e para ajudar à festa, uma depressão.
Após 3 ano e tal de baixa, foi chamada a uma junta médica pela Direcção Geral de Saúde do Porto, que a considerou apta para trabalhar.
Apresentou-se ao serviço e a entidade patronal já não estava a contar com ela, o que até é compreensível. Agora, o que eu acho condenável e execrável foi o facto de lhe darem a escolher entre ser despedida com uma indemnização ridícula sem ter em conta os 15 anos de casa (metendo o fundo de desemprego pelo meio!) ou, voltar a trabalhar. Achando a proposta extremamente injusta, voltou a trabalhar.
O que nunca lhe passou pela cabeça foi que, alguém fosse tão abominável ao ponto de ser capaz de a fazer passar pelo inferno! Puseram-na ao balcão num determinado computador (tinha ordens para só trabalhar naquele) que por coincidência, ou não, estava sempre a encravar e a precisar de ser reiniciado, o que a levava a perder muito tempo cada vez que isso acontecia. Quando o patrão se apercebia da situação, não perdia a oportunidade de a humilhar, chamando-a de incompetente e burra à frente dos clientes. O anormal não a deixava sentar-se durante o horário de trabalho e chegou mesmo a insinuar que andava a desaparecer dinheiro das caixas registadoras e que tal só estava a acontecer desde que ela tinha regressado ao trabalho. Os colegas foram obrigados, sob ameaça, a tratar mal e a ser mal-educados com a senhora (mais tarde confessaram-no e pediram-lhe desculpa pelo que a fizeram passar).
Como a estratégia para que a senhora se demitisse não estava a resultar, decidiram mudar-lhe os horários de trabalho. Como a empresa tem várias livrarias, obrigavam-na a trabalhar até à hora de almoço num sítio e apresentar-se depois da hora de almoço noutra loja, para regressar um par de horas depois. Uma pessoa diabética, dependente de insulina, não pode falhar refeições, mas foi o que a senhora foi obrigada a fazer, pois perdia a hora de almoço para se deslocar de uma loja para a outra. Não podia levar carro (demoraria 20 min) pois não tinha onde estacionar, logo tinha de se deslocar a pé. Para uma pessoa saudável, o caminho demora ca. de 1/2 hora a percorrer, mas esta senhora, com alguns problemas de mobilidade (precisa de uma bengala) precisava de mais de 1 hora! Acrescente-se ainda que isto foi durante o Inverno, pelo que chegava ao destino completamente encharcada, enregelada e estafada da caminhada. Chegou, mais que uma vez a sentir-se mal e até a tropeçar e caír ao chão, devido aos problemas de mobilidade. Com tudo isto, a depressão foi-se agravando e a saúde detriorando.
Andava de rastos a semana toda, o corpo não aquentava tanto cansaço e tanto esforço e uma noite de sono não era suficiente para recuperar. Todos os dias, ao chegar a casa, não conseguia conter as lágrimas e o desespero reprimidos durante o dia, provocados pelas humilhações contantes de que era vítima. Cada Domingo à tarde começava o sofrimento de mais uma semana que não tardaria a começar.
Para se ver livre desta situação e deste inferno, teve de se sujeitar a este sofrimento (físico e psicológico) durante 6 meses até poder voltar a meter baixa.
Com o passar do tempo, mais complicações de saúde foram surgindo: inícios de insuficiência renal, incapacidade de ouvir de um dos ouvidos, dores constantes no corpo, falta de equilíbrio, problemas de circulação nas pernas, queda da tensão arterial sem explicação aparente e uma visível degradação que agrava de dia para dia (esta mulher tem 60 anos, mas aparenta bem mais). Hoje em dia, para além da insulina, toma mais de 2 dezenas de comprimidos diários e tem consultas médicas quase todas as semanas. Já foi chamada mais 2 vezes a juntas médicas. O(A) médico(a) que a atendia mal a via e lhe perguntava o que fazia diziam-lhe logo que nem pensar em ir trabalhar naquela situação.
Hoje teve outra junta médica. Apesar da sua aparência frágil e debilitada, de todos os pareceres clínicos de todos os especialistas que frequenta, de todos os exames médicos que comprovam a sua situação, de ter sido referido o tipo de emprego que tinha e o esforço físico que era obrigada a fazer (nem sequer falou da tortura psicológica), o filho da puta do médico achou por bem que ela estava mais que em condições para ir trabalhar. A decisão chocou familiares e conhecidos...
Reclamar?! Claro que sim... 10 dias úteis para apresentar um parecer médico a argumentar a situação (com os custos a serem suportados pela própria) que seria depois avaliado pelo conselho de médicos da própria Direcção Geral de Saúde do Porto. Está-se mesmo a ver qual o resultado disto, não está? É óbvio que a decisão nunca é revogada. Uma perda de tempo (e isto foi dito por um médico), nem sequer vale a pena!
Esta senhora é minha mãe, por isso eu sei bem o sofrimento por que ela passa todos os dias e sei bem a revolta e injustiça que ela está a sentir neste momento!
Merda de país... Situações como estas são intoleráveis numa sociedade dita civilizada.